[Intro]
Era uma casa não muito engraçada
Por falta de afeto, não tinha nada
Até tinha teto, piscina, arquiteto
Só não deu pra comprar aquilo que faltava
Bem estruturada, às vezes lotada
Mas memo lotada, uma solidão
Dizia o poeta, o que é feito de ego
Na rua dos tolos gera frustração
Yeah, yeah, yeah
Hmm, hmm, hmm
Yeah, yeah, yeah, yeah
Hmm, hmm, hmm
Yeah, havia outra casa, canto da quebrada
Sem rua asfaltada, fora do padrão
Eternit furada, pequena, apertada
Mas se for colar tem água pro feijão
Se o Mengão jogar, pode até parcelar
Vai ter carne, cerveja, refri e carvão
As moeda contada, a luz sempre cortada
Mas fé não faltava, tinham gratidão
Yeah, yeah, yeah
Mas era tão perto do céu
Yeah, yeah, yeah
Mas era tão perto do céu
Como era doce o sonho ali
(Como era doce o sonho ali)
Mesmo não tendo a melhor condição
(Mesmo não tendo a melhor condição)
Todos podiam dormir ali
(Todos podiam dormir ali)
Mesmo só tendo um velho colchão
(Mesmo só tendo um velho colchão)
Mas era feita com muito amor
Mas era feita com muito amor
A vida é uma canção infantil
É sério pensa, viu?
Belas e feras, castelos e celas
Princesas, Pinóquios, mocinhos e
É, eu não sei se isso é bom ou mal
Alguém me explica o que nesse mundo é real
O tiroteio na escola, a camisa no varal
O vilão que tá na história ou aquele do jornal
Diz por que descobertas são letais?
Os monstros se tornaram literais
Eu brincava de polícia e ladrão um tempo atrás
Hoje ninguém mais brinca
Ficou realista demais
As balas ficaram reais, perfurando a Eternit
Brincar nós ainda quer, mas o sangue melou o pique
O final do conto é triste quando o mal não vai embora
O bicho papão existe, não ouse brincar lá fora, pois
Cinco meninos foram passear
Sem droga, flagrante, desgraça nenhuma
A polícia engatilhou: Pá, pá, pá, pá
Mas nenhum, nenhum deles voltaram de lá
Foram mais de cem disparos nesse conto sem moral
Já nem sei se era mito essa história de lobo mau
Diretamente do fundo do caos procuro meu cais no mundo de cães
Humanos são maus, no fundo, a maldade resulta da escolha que temos nas mãos
Uma canção infantil, à vera
Mas lamento, velho, aqui a bela não fica com a fera
Também pudera, é cada um no seu espaço
Sapatos de cristal pisam em pés descalços
A Rapunzel é linda sim, com os dreads no terraço
Mas se a lebre vim de Juliet, até a tartaruga aperta o passo
Porque é sim tão difícil de explicar
E na ciranda, cirandinha, a sirene vem me enquadrar
Me mandando dar meia volta sem ao menos me explicar
De Costa Barros a Guadalupe, um milhão de enredos
Como explicar para uma criança que a segurança dá medo?
Como explicar que oitenta tiros foi engano?
Oitenta tiros, oitenta tiros, ah
Carrossel de horrores, tudo te faz refém
Motivos pra chorar, até a bailarina tem
O início já é o fim da trilha
Até a Alice percebeu que não era uma maravilha
Tem algo errado com o mundo
Não tire os olhos da ampulheta
O ser humano, em resumo, é o câncer do planeta
A sociedade é doentia e julga a cor, a careta
Deus escreve planos de paz, mas também nos dá a caneta
E nós, nós escrevemos a vida, iPhones, a fome, a seca
Os homi, os drone, a inveja e a mágoa
O dinheiro, a disputa, o sangue, o gatilho
Sucrilhos, mansões, condomínios e guetos
Tá tudo do avesso, falhamos no berço
Nosso final feliz tem a ver com o começo
Somente o começo, somente o começo
Pro plantio ser livre, a colheita é o preço
A vida é uma canção infantil, veja você mesmo
Somos Pinóquios plantando mentiras e botando a culpa no Gepeto
Precisamos voltar pra casa
Onde era feita com muito amor
Onde era feita com muito amor
(Mesmo só tendo um velho colchão)
Mas era feita com muito amor
Mas era feita com muito amor